2ndSKIN Cork Jewellery: um projecto para a internacionalização da cortiça

O projecto 2ndSKIN Cork Jewellery foi desenvolvido em parceria por duas entidades que, socialmente e neste âmbito, assumem papéis diferentes: a DesignLocal, Associação Cultural sediada em Santa Maria da Feira, e a ESAD, Escola Superior de Artes e Design, Matosinhos. Visamos, conjuntamente, internacionalizar uma nova imagem da cortiça, apostando na joalharia, uma área até hoje quase inexplorada.

Ana Campos, 2005

[Texto publicado em 2ndSKIN Cork Jewellery, Matosinhos, ESAD e DesignLocal.]

 

O projecto 2ndSKIN Cork Jewellery foi desenvolvido em parceria por duas entidades que, socialmente e neste âmbito, assumem papéis diferentes: a DesignLocal, Associação Cultural sediada em Santa Maria da Feira, e a ESAD, Escola Superior de Artes e Design, Matosinhos. Visamos, conjuntamente, internacionalizar uma nova imagem da cortiça, apostando na joalharia, uma área até hoje quase inexplorada.

O sobreiro, uma árvore Mediterrânica, tem uma forte presença simbólica em Portugal. Plantado a sul do Tejo, a sua transformação é feita sobretudo entre Mondego e Douro. Num território, como no outro, este produto natural exprime identidades locais, representando práticas laborais e económicas.

Por todo o país, a cortiça materializa um mito consular – de representação do país no exterior –, e adquire estatuto de embaixador de actividades económicas além fronteiras, considerando que Portugal é sede e possui capital simbólico com repercussão mundial na produção e transformação corticeira. Portanto, o material em si e certos produtos que nos habituamos a ver, bem como as múltiplas actividades que lhe estão associadas, exprimem coesão interna.

Contudo, a identidade da cortiça no território Português, pode ser revitalizada, ganhando nova temperatura radicada nos aspectos referidos que mostram, como diz Appadurai, um “primordial substrate of affect deep within each of us that [can be] brought up and out into wider sorts of social engagement and group action“1. Assim, uma nova imagem pode ser exteriorizada, assentando na utilização quer da própria matéria vernácula, tal como é extraída da árvore, quer em produtos transformados que hoje permitem novas aplicabilidades, dadas as características tecnológicas consequentes de estudos e investigações. Podem ser captadas mais-valias pela intervenção de artistas-joalheiros e designers.

No cenário da joalharia, sobretudo desde a década de 1960, tal como nos da arte e do design, há energias expansivas que têm vindo a traduzir, de múltiplos modos, o desejo de re-edificar o desgastado conceito de jóia. Podem ser descritas como desafios ou forças que tendem a agir sobre a própria elasticidade dos limites sociais e sobre o representam as jóias em palcos onde ainda perduram ideias estagnadas. Querendo introduzir mudança na produção criativa e propor aos fruidores novos modos de compreender e usar jóias, no âmbito da joalharia levantam-se, desde então, questões sobre ideias gastas, decompondo-as, dissecando-as para, a partir dessas interrogações, construir sentidos alternativos.

Neste processo transformativo, o recurso a múltiplos materiais, por vezes associados a pedras ou metais ditos preciosos tem dado, desde há anos, um contributo importante para exprimir este desafio social. A par de técnicas e tecnologias que se vão associando e renovando, os materiais constituíram-se como um dos meios para dar corpo à contaminação da joalharia por outras orientações artísticas, de onde vão surgindo expressões mestiças e diálogos configurativos. Foram permitindo redimensionar as jóias, exprimir especulação artística e experimentalismo estético, introduzir cores e texturas que animam um novo conceito em re-edificação. Contribuíram para criar um mainstream [ideias socialmente partilhadas] e para ajudar a compreender que os joalheiros querem veicular mensagens através das jóias que concebem, como, por exemplo, repensar o uso da jóia no corpo, criticar o espaço público ou pensar a sustentabilidade. Permitiram difundir estas e outras forças volitivas através destas interfaces comunicativas que são as jóias

Curiosamente, se inúmeros materiais têm sido utilizados, a cortiça raramente foi eleita. Notáveis excepções são os colares concebidos por Paul Derrez, joalheiro holandês. Recentemente, no decurso do projecto 2ndSKIN Cork Jewellery, observou-se que cortiça, um produto amigo do ambiente, se oferece como mais um desafio ao experimentalismo, à comunicação de ideias, a configurar conceitos.

Paul Derrez, 1985,“Pebble necklace”, 1985, cortiça, têxtil. Fotógrafo desconhecido. Agradecimento: Paul Derrez

2ndSKIN é um duplo conceito.

Do ponto de vista antropológico, as jóias, como segunda pele humana, temporária, são mediadores sociais, porque, como refere Augé, “la propia apariencia, como la obra de arte, es una llamada a testigos; expresa un deseo de intercambio”2 Assim, as jóias exprimem identidade, revelando uma imagem pública personalizada.

A cortiça, sendo a segunda pele do sobreiro, representa neste projecto o principal material a usar para configurar ideias, a associar a muitos outros.

As jóias resultantes do projecto 2ndSKIN mostram, de diversos modos, como se inter-relacionaram estes dois sentidos, o social e o biológico.

O projecto 2ndSKIN incluiu três fases.

Na primeira, participaram um grupo de diplomados e actuais estudantes do curso de Joalharia da ESAD, bem como alunos estrangeiros, a frequentarem este estabelecimento ao abrigo do programa Europeu Socrates/Erasmus. Integraram, um workshop onde se desenvolveram experiências, explorando a cortiça, a que se seguiram o desenvolvimento de projectos. Preliminarmente, o que Robert Baines designa “(inner) thinking of the makers (…) the mental planning”, concentrou-se no domínio deste material que, apesar de ser marco identitário em, Portugal, nunca tinham utilizado. Portugueses e estrangeiros encontraram-se em igualdade. Exprimir ideias recorrendo a cortiça constituiu um forte desafio! Para Baines, “preliminary design thinking, when concentrated on materials (…) have been generally overlooked or disregarded, but signage of planning and designing can identify them as the visible working out of an idea. This offers a window into the design thinking or strategies of the maker identifying methodologies that are principally invisible.”3 Mais adiante, o processo encaminhou-se para a outra vertente do conceito 2ndSKIN: a jóia como pele humana transitória. Procuram que, em cada jóia, a ficção – fabulação, invenção – se relacionasse com experimentalismo, com as temperaturas emocionais das cores da cortiça associada a outros materiais, para vivificar o conceito. As jóias que este catálogo apresenta, bem como outras presentes na exposição itinerante, resultam da selecção por um júri.

Na segunda fase, realizou-se na ESAD um simpósio internacional que contou com a participação de Carla Castiajo, Eija Mustonen, Kadri Mälk, Leonor Hipólito, Manuel Vilhena, Pedro Sequeira, Ramon Puig Cuyàs, Tanel Veenre e Theo Smeets. No workshop, decorreu um animado debate de ideias e troca de experiências entre todos, consubstanciado pelos processos de trabalho e práticas individuais de cada um. Nas conferências destes artistas-joalheiros convidados, que decorreram ao longo desta mesma semana, puderam ver-se apresentações que deixavam, implicitamente, transparecer os debates que decorriam no workshop. Mostraram como as intervenções no panorama da joalharia, demarcadamente pragmáticas, são também diversificadas. Sobretudo com Eija Mustonen, Kadri Mälk, Tanel Veenre e Ramon Puig Cuyàs, pode observar-se como as ideias, as jóias, os processos de trabalho, estão impregnados pelos respectivos cenários culturais. Viram-se, assim, diferentes modos de viver o tempo durante o processo criativo, como também a atracção pela paisagem natural na Finlândia, pela penumbra na Estónia, por cores quentes e por memórias da Cultura Mediterrânica na Catalunha. Theo Smeets abordou o seu singular trabalho e a Nova Joalharia de Idar-Oberstein. Carla Castiajo, Leonor Hipólito, Manuel Vilhena e Pedro Sequeira mostraram que os Portugueses mantêm vivas longínquas características Lusitanas. Todos com variadas experiências em diferentes países, prosseguem viagens pelo mundo num contínuo movimento de levar e trazer, deixando algo de si noutros lugares e destes trazendo algo, num incessante processo de hibridação de ideias, de produção do inusitado e de diferença entre processos criativos.

Finalmente, uma exposição itinerante que, tendo origem nas fases precedentes, dá a conhecer, em várias cidades da Europa, as jóias que convidados, diplomados e alunos e conceberam.

 

1                APPADURAI, Arjun (Ed.), 2003, Modernity at Large: cultural dimensions of globalization, Minneapolis, University of Minnesota Press: 164.

2                AUGÉ, Marc, 2000, El diseño y sus objectos, in revista Experimenta 98, Dez., nº 32, Madrid, Experimenta: 98.

3                BAINES, Robert, Reconstruction of historical jewellery and its symmetry with the contemporary document: http://members.tripod.com/vismath7/proceedings/baines.htm

 

 

 

 

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